O custo do
trabalhador é alvo de grande debate para contadores e economistas brasileiros, fomentando
diferentes opiniões sobre o valor real despendido para sustentar um emprego em
seu posto. A complexa legislação trabalhista, que impõe pesados encargos para
os empregadores, é apontada como fator determinante para explicar por que é tão
caro contratar e manter um funcionário no País. As obrigações tributárias e o
cumprimento das normas, porém, são apenas parte da questão.
O vice-presidente de
fiscalização do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS), Celso Luft, estima
que, considerando apenas os encargos sociais, o custo de um funcionário supera
em aproximadamente 70% o valor do salário assinado em carteira, com pequenas
variações que dependem do segmento da empresa contratante. Nessa conta, a fatia
relativa aos encargos previdenciários é a mais pesada, chegando a 35,8% do
total. Férias, 13º salário, auxílio-doença, licença-maternidade e outros
encargos e seus reflexos, que também precisam ser provisionados pelo
empregador, quando somados, chegam a 35,5%. “Temos uma carga tributária
considerada alta em relação a outros países, mas as pessoas admitiriam pagar
mais se tivesse uma contrapartida, e essa, sem dúvida, é a principal
reclamação”, alega o contador.
Luft ressalta que,
tomando o exemplo de uma empresa do setor de construção civil, o custo com o
trabalhador pode chegar a 113,6%, englobando questões como benefícios e
treinamento. “Apesar de alguns benefícios obrigatórios, como vale-transporte e
alimentação, se o empregador quer dar treinamento e uniforme, isso deve ser
agregado ao custo, por isso pode-se dizer que os encargos dobram em relação ao
valor do salário”, afirma.
O dirigente faz uma
ressalva: as empresas enquadradas no Simples
Nacional têm uma vantagem em relação às
obrigações trabalhistas. Para essa modalidade, dentre os encargos, apenas o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (8% do salário) é recolhido. O benefício
ajuda, mas não torna o custo do trabalho exatamente baixo, já que as demais
obrigações permanecem as mesmas.
A vice-presidente do
CRCRS, Roberta Salvini, argumenta que esse cenário tem raízes na defasagem da
legislação trabalhista, que mesmo com revisões, ainda é associada ao período de
sua criação no Brasil. Para ela, uma reforma é necessária não apenas para
reavaliar a questão tributária, mas porque é preciso considerar a presença da
tecnologia no mercado de trabalho e a própria relação entre empregado e
empregador. “Temos uma legislação que remonta à década de 1930 aplicada hoje,
portanto com seus reflexos e descompassos em relação à realidade das relações
de trabalho”, observa.
Roberta diz que em
outros países há maior liberdade contratual entre as partes na relação de
trabalho. Nesse contexto, é possível que patrões e funcionários estabeleçam se
a remuneração será única ou contará com benefícios. “Isso pode ser mais
interessante do que a situação que vivenciamos, com tantos direitos arraigados
(numa única legislação)”, acrescenta.
Concorrência e informalidade aquecem debate sobre o
peso da folha de pagamento
Se levada em conta a
concorrência pela mão de obra em um cenário de baixo desemprego como o do
Brasil e o esforço dos empresários em atrair os melhores talentos, a
contratação pode ficar mais onerosa. “As empresas acabam competindo entre elas
através dos benefícios, dos diferenciais, para conseguir o melhor colaborador”,
sugere a contadora da área de recursos humanos do escritório Lauermann
Schneider, Priscila Vier dos Santos. “Acredito que a Consolidação das Leis de Trabalho
(CLT) deveria ser revistas, ela vem de uma última revisão em 2002, já são 11
anos, e muitas coisas mudaram”, sentencia.
Mas a complexidade da
legislação também pode fomentar o panorama oposto, da informalidade. O valor
despendido pelo empregador com os encargos trabalhistas precisa levar em conta
todas as etapas do vínculo empregatício. Admissão, treinamento e uma possível
demissão. Cada fase demanda recursos que precisam ser provisionados pela
empresa de antemão, fator que pode encarecer ainda mais a contratação. São
questões como essa que justificam a tese de que a atual legislação não estimula
a formalização do trabalho no Brasil. “No Rio Grande do Sul, temos uma
segurança maior em termos do cumprimento da legislação, mas sabemos que é
grande a quantidade de pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão”,
sugere a vice-presidente do CRCRS, Roberta Salvini.
Estudo aponta que empresas podem gastar até três
vezes mais do que o salário
Pesquisadores do
Centro de Microeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV), em parceria
com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), desenvolveram um estudo que
concluiu que o custo de um trabalhador ao empregador pode superar em 2,83 vezes
(ou 183%) o valor do salário assinado em carteira. O montante é alto, mas
guarda algumas peculiaridades. Esse valor se aplica a um vínculo empregatício
de 12 meses, podendo cair para 2,55% (155%) quando o tempo de contratação
alcança cinco anos. Os pesquisadores contaram com dados de duas empresas
têxteis para elaborar os resultados.
O levantamento,
divulgado no ano passado, não se restringiu a calcular apenas o peso dos
encargos. Os pesquisadores identificaram que, em geral, muitos fatores que
encarecem a contratação, e por vezes beneficiam o trabalhador, vinham sendo
ignorados no debate. O custo estimado pelos pesquisadores também englobou
obrigações acessórias, benefícios negociados e até mesmo o custo da burocracia
e da gestão do trabalho. “O nosso entendimento é que há muitos itens que
normalmente as empresas entendem como encargos e não são puramente encargos”,
afirma o economista Eduardo Zylberstajn, um dos autores da pesquisa.
Além do custo de
benefícios obrigatórios como o 13º salário ou Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) , o estudo leva em conta diversos benefícios que
não estão previstos na legislação, mas que podem ser pagos em função de acordos
ou convenções coletivas, a exemplo de treinamento, cesta básica e
auxílio-creche, entre outros.
Também influencia na
fórmula a maneira com que o trabalhador vê os benefícios que recebe. Se o
colaborador tem consciência de que há mais benefícios agregados aos seus
vencimentos, ele acaba custando menos à empresa. Conforme o relatório final da
pesquisa, que definiu valores máximos e mínimos para cada componente do
trabalho, foi estimado que a legislação trabalhista tem um peso entre 17% e 48%
do custo total do trabalhador. Ou seja, um contrato de trabalho que custe R$
2.067,00 para a empresa é valorizado em R$ 1.158,00 pelo empregado no caso mais
extremo, o que implica em uma diferença de R$ 909,00. Nesse sentido, o custo da
legislação trabalhista implica um aumento de 79% na remuneração total do
trabalhador. No caso mais conservador, um trabalhador que custa os mesmos R$
2.067,00 por mês para o empregador percebe um valor de R$ 1.713,00 no contrato
de trabalho. Nesse caso, o custo da legislação trabalhista seria R$ 354,00, ou
21% da remuneração percebida pelo empregado e 17% do custo total para o empregador.
Desoneração não é suficiente
As recentes
desonerações na folha de pagamento promovidas pelo governo federal, que em tese
deveriam amenizar o cenário, ainda são contestadas. Serão 22 segmentos de
varejo incluídos na medida, que substitui os 20% de alíquota do INSS
pelo recolhimento de 1% a 2% do faturamento das companhias. A vice-presidente
do CRCRS, Roberta Salvini, afirma que essa dinâmica apenas muda o custo de
lugar. “Essa ação não gera uma redução tributária significativa, pois deixou de
tributar folha para tributar faturamento. Em mais de 90% dos casos, o custo
tributário, na ponta do lápis, aumentou”, calcula a contadora.
O contador Celso Luft
completa que, no caso da atual desoneração da folha, o fato de não ser
facultativa pode tornar ainda mais onerante o conjunto de encargos. “Quem
investiu em tecnologia, por exemplo, e teve uma redução no quadro de
funcionários, acabou sendo penalizado por essa legislação”, diz. Isso porque
com um volume menor de colaboradores, os recursos referentes à folha de pagamento já estariam reduzidos, fazendo com que o
percentual sobre faturamento seja maior do que o próprio custo dos salários e
seus encargos.
Fonte: Jornal do
Comércio - RS
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