A produção, gravação e
distribuição de filmes não são tributadas pelo Imposto Sobre Serviços. Mesmo que
as atividades sejam de prestação de serviço, não há fundamento normativo válido
para a cobrança sobre essas atividades, que não podem, por exemplo, ser
confundidas com cinematografia — que inclui revelação e trucagem, listadas pela
Lei Complementar 116/2003 entre os serviços tributáveis. A celeuma foi resolvida
pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em decisão unânime publicada em
agosto. O relator do acórdão foi o ministro Benedito Gonçalves, acompanhado
pelos ministros Teori Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia
Filho.
O entendimento interessa principalmente às produtoras de
comerciais veiculados na TV, como a Cápsula Cinematográfica, autora de vídeos
para empresas como Olympikus, Elma Chips, Yakult, Bombril, TIM e Peugeot, além
de entes públicos como o Banco Central. A produtora foi autora do Recurso
Especial julgado em junho pela 1ª Turma do STJ.
Segundo o advogado da
produtora, o tributarista Rafael Pandolfo, é a primeira vez que o STJ enfrenta o
tema com a profundidade suficiente. Segundo ele, a decisão serve de precedente
para todo o país. "Alguns municípios, como o de São Paulo, entendem que o ISS é
devido apenas na primeira veiculação, a chamada 'cessão'. A partir desse
precedente, a cobrança do ISS, inclusive na cessão, poderá ser
questionada."
O tributarista destaca a importância da discussão
justamente em um período de eleições, em que aumenta a demanda pela produção de
vinhetas e filmes de campanha. "O imposto incide em 5% sobre o faturamento bruto
das empresas. Em época de eleições, os valores são vultuosos", diz.
A
empresa contestou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que
equiparou a produção de filmes a cinematografia, atividade que ocupa o item
13.03 da lista de serviços tributáveis prevista na Lei Complementar 116. “Se a
produção de filmes, vinhetas, VTs e audivisuais é feita sob encomenda para
usuários determinados, o enquadramento se dá pelo item 13.03 da lista anexa à LC
116/03, que prevê expressamente a cinematografia”, afirmou a corte estadual.
“Atividade de cinematografia que não se resume à mera reprodução de filmes, na
medida em que engloba o conjunto de atividades relacionadas com a produção de
filmes cinematográficos, com a indústria cinematográfica, com a criação de
material documental, educacional ou de entretenimento, na forma de produtos de
cunho semicomercial ou fundamentalmente comercial, enfim, envolve todas as
funções relacionadas ao audiovisual.”
O relator do processo na instância
superior, no entanto, discordou. “A partir da vigência da Lei Complementar
116/03, em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe
previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção,
gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao
atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado
não fazia tal distinção”, disse o ministro Benedito Gonçalves em seu voto,
reproduzido no acórdão do STJ. Para ele, a cobrança de ISS sobre cinematografia
incide sobre valores que o cineasta recebe para atuar na produção de um filme.
“Não se confundem, portanto, as receitas obtidas pelo produtor e pelo diretor de
filmes”, disse.
A redação da lei complementar aprovada pelo Congresso
previa, no item 13.01, a tributação de “produção, gravação, edição, legendagem e
distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc,
digital video disc e congêneres”. No entanto, o dispositivo foi vetado pela
Presidência da República no despacho que sancionou a norma.
“O STF, no
julgamento dos Recursos Extraordinários 179.560-SP, 194.705-SP e 196.856-SP,
cujo relator foi o ministro Ilmar Galvão, decidiu que é legítima a incidência do
ICMS sobre comercialização de filmes para videocassete, porquanto, nessa
hipótese, a operação se qualifica como de circulação de mercadoria. Como
consequência dessa decisão, foram reformados acórdãos do Tribunal de Justiça de
São Paulo que consideraram a operação de gravação de videoteipes como sujeita
tão-somente ao ISS”, diz a mensagem de veto proposta pelo Ministério da Fazenda.
A mensagem, porém, ressalva que a atividade se distingue da “prestação
individualizada do serviço de gravação de filmes com o fornecimento de
mercadorias”, sobre a qual pesa o ISS, de acordo com a Fazenda.
Benedito
Gonçalves, no entanto, afastou a incidência para quaisquer casos de produção de
filmes. Ele lembrou ainda que a lista de serviços tributáveis é exaustiva, o que
afasta interpretação extensiva à atividade de cinematografia, como fez o TJ
gaúcho. Lembrando decisão de 2009 da 2ª Turma, o ministro afirmou que a
cinematografia não equivale à produção de filmes. “A produção cinematográfica é
uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a
ser produzido, a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem e, é
claro, a própria cinematografia”, dissera a ministra Eliana Calmon no acórdão no
Recurso Especial 1.027.267, citado pelo ministro Benedito Gonçalves.
O
município de Porto Alegre, que perdeu o recurso contra a produtora, entrou por
duas vezes com Embargos de Declaração contestando a decisão, mas teve ambos os
pedidos rejeitados. A 1ª Turma determinou que os autos retornassem para o TJ-RS
para novo julgamento de Apelação em Ação Declaratória, dessa vez para apreciação
do pedido de repetição de indébito feito pela produtora contra o fisco municipal
de Porto Alegre.
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